CARTA DO ACRE
Estivemos reunidos em
Rio Branco - AC, entre os dias 3 a 7 de outubro de 2011 na Oficina: Serviços
Ambientais, REDD e Fundos Verdes do BNDES: Salvação da Amazônia ou Armadilha do
Capitalismo Verde?
Estavam presentes,
organizações socioambientais, de trabalhadoras e trabalhadores da agricultura
familiar, organizações de Resex e Assentamentos Extrativistas, de direitos
humanos (nacionais e internacionais), organizações indígenas, organizações de
mulheres, pastorais sociais, professores, estudantes e pessoas da sociedade
civil comprometidas com a luta dos de baixo.
Percebemos a formação
de um consenso em torno da idéia de que, desde 1999, com a eleição do governo
da Frente Popular do Acre (FPA), foram tomadas iniciativas para a implantação
de um novo modelo de desenvolvimento. Desde então, tal modelo é celebrado como
primor de harmonia entre desenvolvimento econômico e conservação da floresta,
de seus bens naturais e do modo de vida de seus habitantes. Com forte apoio dos
meios de comunicação, de sindicatos, de ONGs promotoras do capitalismo verde na
região amazônica, de bancos multilaterais, de oligarquias locais, de
organizações internacionais, ele é apresentado como modelo exitoso a ser
seguido por outras regiões do Brasil e do mundo.
Nesses dias, tivemos
oportunidade de conhecer, em campo, algumas iniciativas tidas como referência
no Acre. Vimos de perto os impactos sociais e ambientais do desenvolvimento
sustentável em curso no estado. Visitamos o Projeto de Assentamento Agroextrativista
Chico Mendes, Fábrica de Preservativos NATEX e o Seringal São Bernardo (Projeto
de Manejo Florestal Sustentável das Fazendas Ranchão I e II). As visitas nos
colocaram diante de um cenário bastante distinto daquilo que é propagandeado
nacional e internacionalmente.
No Seringal São
Bernardo, pudemos constatar que o atendimento dos interesses das madeireiras se
faz em detrimento dos interesses das populações locais e da conservação da
natureza. Mesmo as questionáveis regras dos planos de manejo são desrespeitadas
e, segundo dizem os moradores, com conivência de gestores estatais. No caso do
Projeto de Assentamento Agroextrativista Chico Mendes Cachoeira (em Xapuri),
constatamos que os moradores continuam subjugados ao domínio monopolista,
atualmente vendem a madeira para a empresa Laminados Triunfo a R$90,00 m3,
quando a mesma quantidade de madeira chega a valer até R$1.200 na cidade. Por
isso, endossamos a reivindicação de diversas comunidades pela suspensão dos
famigerados projetos de manejo. Solicitamos a apuração de todas as
irregularidades e exigimos a punição dos culpados pela destruição criminosa dos
bens naturais.
Os dias em que tivemos
reunidos foram dedicados ainda ao estudo sobre Serviços Ambientais, REDD e
Fundos Verdes do BNDES. Compreendemos o papel dos Bancos (Banco Mundial, FMI,
BID e BNDES), ONG´s comprometidas com o capitalismo verde, tais como WWF, TNC e
CI; bem como o papel de outras instituições como ITTO, FSC e USAID, setores da
sociedade civil e Governos Estadual e Federal que têm se aliado ao capital
internacional na intenção de mercantilizar o patrimônio natural da Amazônia.
Ressaltamos que, além
de desprovida de amparo constitucional, a Lei N° 2.308, de 22 de outubro de
2010, que regulamenta o Sistema Estadual de Incentivo a Serviços Ambientais foi
criada sem o devido debate com os setores da sociedade diretamente impactados
por ela, isto é, os homens e mulheres dos campos e floresta. Reproduzindo
servilmente os argumentos dos países centrais, os gestores estatais locais a
apresentam como uma forma eficaz de contribuir com o equilíbrio do clima,
proteger a floresta e melhorar a qualidade de vida daqueles que nela habitam.
Deve-se dizer, entretanto, que a referida lei gera ativos ambientais para
negociar os bens naturais no mercado de "serviços ambientais", como o
mercado de carbono. Trata-se de um desdobramento da atual fase do capitalismo
cujos defensores, no intuito de assegurar sua reprodução ampliada, lançam mão
do discurso ambiental para mercantilizar a vida, privatizar a natureza e espoliar
as populações do campo e da cidade. Pela lei, a beleza natural, a polinização
de insetos, a regulação de chuvas, a cultura, os valores espirituais, os
saberes tradicionais, a água, plantas e até o próprio imaginário popular, tudo
passa a ser mercadoria. A atual proposta de modificação do Código Florestal
complementa esta nova estratégia de acumulação do capital, ao autorizar a
negociação das florestas no mercado financeiro, com a emissão de "papéis
verdes", a chamada Certidão de Cotas de Reserva Ambiental (CCRA). Desse
modo, tudo é colocado no âmbito do mercado para ser gerido por bancos e
empresas privadas.
Embora apresentada
como solução para o aquecimento global e para as mudanças climáticas, a
proposta do REDD permite aos países centrais do capitalismo manterem seus
padrões de produção, consumo e, portanto, também de poluição. Eles continuarão
consumindo energia de fontes que produzem mais e mais emissões de carbono.
Historicamente responsáveis pela criação do problema, agora propõem a solução
que mais atende a seus interesses. Possibilitando a compra do direito de
poluir, mecanismos como o REDD forçam as denominadas populações tradicionais
(ribeirinhos, indígenas, quilombolas, quebradeiras de coco, seringueiros etc.)
a renunciarem a autonomia na gestão de seus territórios.
Com isso,
embaralham-se os papeis. O capitalismo, civilização mais predadora da história
da humanidade, não representaria nenhum problema. Ao contrário, seria a
solução. Os destruidores seriam agora os grandes defensores da natureza. E
aqueles que historicamente garantiram a conservação natural são, agora,
encarados como predadores e por isso mesmo são criminalizados. Não surpreende,
portanto, que recentemente o Estado tenha tornado mais ostensiva a repressão, a
perseguição e até expulsão das populações locais de seus territórios. Tudo para
assegurar a livre expansão do mercado dos bens naturais.
Com o indisfarçável
apoio estatal, por esse e outros projetos o capital hoje promove e conjuga duas
formas de re-territorialização na região amazônica. De um lado, expulsa povos e
comunidades do território (como é o caso dos grandes projetos como as
hidrelétricas), privando-os das condições de sobrevivência. De outro, tira a
relativa autonomia daqueles que permanecem em seus territórios, como é o caso
das áreas de conservação ambiental. Tais populações até podem permanecer na
terra, mas já não podem utilizá-la segundo seu modo de vida.Sua sobrevivência
não seria mais garantida pelo roçado de subsistência - convertido em ameaça ao
bom funcionamento do clima do planeta, mas por bolsas verdes, que, além de
insuficientes, são pagas para a manutenção da civilização do petróleo.
Cientes dos riscos que
tais projetos trazem, rechaçamos o acordo de REDD entre Califórnia, Chiapas, Acre
que já tem causado sérios problemas a comunidades indígenas e tradicionais,
como na região de Amador Hernández, em Chiapas, México. Por isso nos
solidarizamos com as populações pobres da Califórnia e Chiapas que já têm
sofrido com as consequências. Solidarizamo-nos também com os povos indígenas do
TIPNIS, na Bolívia, sob ameaça de terem seu território violado pela estrada que
liga Cochabamba a Beni financiada pelo BNDES.
Estamos num estado
que, nos anos de 1970-80, foi palco de lutas históricas contra a expansão
predatória do capital e pela defesa dos territórios ocupados por povos
indígenas e populações camponesas da floresta. Lutas que inspiraram muitas
outras no Brasil e no mundo. Convertido, porém, a partir do final da década de
1990, em laboratório do BID e do Banco Mundial para experimentos de
mercantilização e privatização da natureza, o Acre é hoje um estado intoxicado
pelo discurso verde e vitimado pela prática do capitalismo verde. Dentre os
mecanismos utilizados a fim de legitimar essa ordem de coisas, ganha destaque a
manipulação da figura de Chico Mendes. A crer no que nos apresentam, deveríamos
considerá-lo o patrono do capitalismo verde. Em nome do seringueiro, defende-se
a exploração de petróleo, o monocultivo da cana-de-açúcar, a exploração
madeireira em larga escala e a venda do ar que se respira.
Ante tal quadro,
cumpre perguntar o que mais não caberia nesse modelo de desenvolvimento
sustentável. Talvez em nenhum outro momento os pecuaristas e madeireiros tenham
encontrado cenário mais favorável. É por essa razão que cremos necessário e
urgente combatê-lo posto que, sob aparência de algo novo e virtuoso, ele
reproduz as velhas e perversas estratégias de dominação e exploração do homem e
da natureza.
Por fim deixamos aqui
nossa reivindicação pelo atendimento das seguintes demandas: reforma agrária,
homologação de terras indígenas, investimentos em agroecologia e economia
solidária, autonomia de gestão dos territórios, saúde e educação para todos,
democratização dos meios de comunicação. Em defesa da Amazônia, da vida, da
integridade dos povos e de seus territórios e contra o REDD e a mercantilização
da natureza. Estamos em luta.
Rio Branco, Acre, 07 de outubro de
2011.
Assinam esta carta:
Assentamento de Produção
Agro-Extrativista Limoeiro-Floresta
Pública do Antimary (APAEPL)
Amazonlink
Cáritas – Manaus
Centro de Defesa dos Direitos
Humanos e Educação Popular do Acre (CDDHEP/AC)
Centro de Estudos e Pesquisas para o
Desenvolvimento do Extremo Sul da Bahia
(CEPEDES)
Comissão Pastoral da Terra CPT Acre
Conselho Indigenista Missionário CIMI Regional
Amazônia Ocidental
Conselho de Missão entre Índios COMIN Assessoria Acre
e Sul do Amazonas
Coordenação da União dos Povos
Indígenas de Rondônia, Sul do Amazonas e
Noroeste do Mato Grosso – CUNPIR
FERN
Fórum da Amazônia Ocidental (FAOC)
Global Justice Ecology Project
Grupo de Estudo sobre Fronteira e
Identidade - Universidade Federal do Acre
Instituto Madeira Vivo
(IMV-Rondônia)
Instituto Mais Democracia
Movimento Anticapitalista Amazônico –
MACA
Movimento de Mulheres Camponesas
(MMC - Roraima)
Nós Existimos – Roraima
Núcleo Amigos da Terra Brasil
Núcleo de Pesquisa Estado, Sociedade
e Desenvolvimento na Amazônia Ocidental
Universidade Federal do Acre.
Oposição Sindical do STTR de Brasiléia
Rede Acreana de Mulheres e Homens
Rede Alerta Contra o Deserto Verde
Rede Brasil sobre Instituições
Financeiras Multilaterais
Sindicato dos Trabalhadores Rurais
de Bujarí (STTR - Bujarí)
Sindicato dos Trabalhadores Rurais
de Xapuri (STTR- Xapuri)
Terra de Direitos
União de Mulheres Indígenas da
Amazonia Brasileira
World Rainforest Movement (WRM)
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