quinta-feira, 13 de outubro de 2011

A CDES E O "ACORDO" PARA A RIO+20

ACORDO PARA O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL

Transcorridos vinte anos da realização da Rio92, um amplo leque de organizações e fóruns da sociedade civil brasileira, articulado ao Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social (CDES), construiu de forma coletiva esse documento, que ousou intitular "Acordo para o Desenvolvimento Sustentável", e apresenta como contribuição à posição que o governo da Presidenta Dilma Rousseff  levará à Conferência Rio+20 Acordo para o Desenvolvimento Sustentável – Rio 20 – 05.10.2011.
A ambientalista Zuleica Nycz a respeito emite os seguintes comentários, principalmente em ralação à assinatura do mesmo pelo FBOMS:
“Pergunto se esse documento circulou na lista do FBOMS antes de ser aprovado para nossa assinatura? Eu não vi, posso ter perdido alguma coisa? É importante que o Fórum tenha assinado conscientemente, sem contar que o documento traz o título de "Acordo". Diz que foi assinado por mais de 70 "organizações da sociedade civil". É preciso esclarecer que alguns dos que assinam são empresas poluentes e degradadoras.
Tenho sérias ressalvas ao documento. Porque as questões da segurança química não são mencionadas no documento? Colocam lá uma tal "economia verde" que não tem nada a ver com saúde ambiental, e o conceito de "desenvolvimento sustentável" deles não tem nada a ver com qualidade ambiental, mas apenas, exclusivamente, com o protocolo de Quioto (pág. 13). Essa visão é muito limitada, achei bem esquisito.
Há uma miopia orquestrada no discurso das emissões industriais nesse documento: o “Acordo” limita-se a mencionar as emissões de carbono enquanto que as demais emissões tóxicas de POPs, metais tóxicos, HPA, entre outras que são simplesmente omitidas, como se não existissem ou não fossem dignas de atenção no aspecto do que se imaginaria em um conceito responsável de desenvolvimento sustentável. O “Acordo” elogia a "transição para a economia verde" (página 8), outro conceito equivocado que é apenas subliminarmente apresentado e transparece em todo o documento como se tivesse sido previamente acordado em algum outro tempo e lugar sabe-se lá por quem, enquanto que os movimentos sociais vêm questionando esse conceito em todas as redes nacionais e internacionais.
Elogia a política econômica do governo em relação aos biocombustíveis, omitindo propositalmente todas as injustiças sociais e ambientais que temos identificado nos últimos anos a partir da experiência de diversas comunidades atingidas, movimentos sociais e ambientalistas. (página 12)
Fala da "trajetória brasileira, construída por governo e sociedade civil" (pág.11) como se as ONGs tivessem sido apoiadas pelo governo federal nos últimos anos e conseguido um espaço de diálogo equilibrado. Isso não é verdade nos últimos anos só veio “chumbo grosso” para a grande maioria de ONGs ambientalistas, principalmente aquelas milhares de ONGs espalhadas em todo o país que fazem uma luta local sem qualquer mecanismo inteligente de apoio com manutenção de autonomia intelectual que incentive a própria comunidade a escorá-las como suas aliadas, sem mencionar vários outros movimentos sociais em pior situação. O que temos conhecimento é de diversos eventos de perseguição política inescrupulosa e truculenta nessa tal "trajetória brasileira construída por governo e sociedade civil". A ausência de políticas para o fortalecimento da sociedade civil é na verdade uma política objetiva perversa dos últimos governos: não permitir qualquer apoio aos que criticam as políticas governamentais ou que possam adquirir algum poder (benéfico aos interesses coletivos) de inserção em processos de tomada de decisão.
Quando fala em agricultura, o documento não a relaciona com questões de saúde e trata o meio ambiente como um acessório no discurso para cumprir o cerimonial, e “questões ambientais". Cita que houveram "ações articuladas". Com quem...? “
O documento não cita o tema nem a palavra "agrotóxica”, talvez porque a "economia verde" vai resolver tudo, isto é, vai acomodá-los juntamente com os transgênicos para que todos se dêem bem? Mas o Brasil é o maior consumidor de agrotóxicos do planeta, o segundo lugar não consome talvez nem a metade. A população está sob risco de doenças graves, e as gerações que vêm aí podem ser seriamente expostas a um ambiente hostil para a vida, com fortes possibilidades de sofrerem danos neurológicos e físicos ainda na barriga da mãe. O Acordo prefere elogiar programas específicos de governo, como é o caso dos biocombustíveis para o qual concede um parágrafo inteiro. Aliás, o documento é um típico documento governamental cheio de auto-elogios, e fala bastante de seus outros programas.
O tema das substâncias tóxicas em produtos e processos simplesmente não existe no documento.
Bem, informo que há um movimento de ONGs internacionais para que a questão da saúde ambiental vs. substâncias tóxicas (que compreende os agrotóxicos, mas é mais abrangente e cobre toda a gama de substâncias tóxicas às quais a população humana e toda a biodiversidade estão expostas, em temas de produtos e processos ou de gestão de resíduos) seja inserida na Rio+20. O FBOMS deve se alinhar a essas posições mais progressistas e avançadas intelectualmente, se quiser se posicionar um pouco melhor perante as redes internacionais. De qualquer maneira, como o FBOMS deve se alinhar precisa ser discutido, e jamais imposto aos membros do FBOMS.
Por fim registro que a minha análise é bem superficial, de um documento que também é bem superficial. Entendo que o documento é omisso e se omite sobre a urgentíssima necessidade do país de fazer um controle efetivo das substâncias químicas. Os conceitos "vendidos" ali de “economia verde” e “desenvolvimento sustentável” são extremamente vazios, superficiais, com o propósito de servir os interesses colonialistas que defendem as coisas como estão e manter as coisas péssimas do jeito que estão.
Sds. Zuleica Nycz - AMAR (Associação de Defesa do Meio Ambiente de Araucária)

A CARTA DO ACRE


CARTA DO ACRE

Estivemos reunidos em Rio Branco - AC, entre os dias 3 a 7 de outubro de 2011 na Oficina: Serviços Ambientais, REDD e Fundos Verdes do BNDES: Salvação da Amazônia ou Armadilha do Capitalismo Verde?

Estavam presentes, organizações socioambientais, de trabalhadoras e trabalhadores da agricultura familiar, organizações de Resex e Assentamentos Extrativistas, de direitos humanos (nacionais e internacionais), organizações indígenas, organizações de mulheres, pastorais sociais, professores, estudantes e pessoas da sociedade civil comprometidas com a luta dos de baixo.

Percebemos a formação de um consenso em torno da idéia de que, desde 1999, com a eleição do governo da Frente Popular do Acre (FPA), foram tomadas iniciativas para a implantação de um novo modelo de desenvolvimento. Desde então, tal modelo é celebrado como primor de harmonia entre desenvolvimento econômico e conservação da floresta, de seus bens naturais e do modo de vida de seus habitantes. Com forte apoio dos meios de comunicação, de sindicatos, de ONGs promotoras do capitalismo verde na região amazônica, de bancos multilaterais, de oligarquias locais, de organizações internacionais, ele é apresentado como modelo exitoso a ser seguido por outras regiões do Brasil e do mundo.

Nesses dias, tivemos oportunidade de conhecer, em campo, algumas iniciativas tidas como referência no Acre. Vimos de perto os impactos sociais e ambientais do desenvolvimento sustentável em curso no estado. Visitamos o Projeto de Assentamento Agroextrativista Chico Mendes, Fábrica de Preservativos NATEX e o Seringal São Bernardo (Projeto de Manejo Florestal Sustentável das Fazendas Ranchão I e II). As visitas nos colocaram diante de um cenário bastante distinto daquilo que é propagandeado nacional e internacionalmente.

No Seringal São Bernardo, pudemos constatar que o atendimento dos interesses das madeireiras se faz em detrimento dos interesses das populações locais e da conservação da natureza. Mesmo as questionáveis regras dos planos de manejo são desrespeitadas e, segundo dizem os moradores, com conivência de gestores estatais. No caso do Projeto de Assentamento Agroextrativista Chico Mendes Cachoeira (em Xapuri), constatamos que os moradores continuam subjugados ao domínio monopolista, atualmente vendem a madeira para a empresa Laminados Triunfo a R$90,00 m3, quando a mesma quantidade de madeira chega a valer até R$1.200 na cidade. Por isso, endossamos a reivindicação de diversas comunidades pela suspensão dos famigerados projetos de manejo. Solicitamos a apuração de todas as irregularidades e exigimos a punição dos culpados pela destruição criminosa dos bens naturais.

Os dias em que tivemos reunidos foram dedicados ainda ao estudo sobre Serviços Ambientais, REDD e Fundos Verdes do BNDES. Compreendemos o papel dos Bancos (Banco Mundial, FMI, BID e BNDES), ONG´s comprometidas com o capitalismo verde, tais como WWF, TNC e CI; bem como o papel de outras instituições como ITTO, FSC e USAID, setores da sociedade civil e Governos Estadual e Federal que têm se aliado ao capital internacional na intenção de mercantilizar o patrimônio natural da Amazônia.

Ressaltamos que, além de desprovida de amparo constitucional, a Lei N° 2.308, de 22 de outubro de 2010, que regulamenta o Sistema Estadual de Incentivo a Serviços Ambientais foi criada sem o devido debate com os setores da sociedade diretamente impactados por ela, isto é, os homens e mulheres dos campos e floresta. Reproduzindo servilmente os argumentos dos países centrais, os gestores estatais locais a apresentam como uma forma eficaz de contribuir com o equilíbrio do clima, proteger a floresta e melhorar a qualidade de vida daqueles que nela habitam. Deve-se dizer, entretanto, que a referida lei gera ativos ambientais para negociar os bens naturais no mercado de "serviços ambientais", como o mercado de carbono. Trata-se de um desdobramento da atual fase do capitalismo cujos defensores, no intuito de assegurar sua reprodução ampliada, lançam mão do discurso ambiental para mercantilizar a vida, privatizar a natureza e espoliar as populações do campo e da cidade. Pela lei, a beleza natural, a polinização de insetos, a regulação de chuvas, a cultura, os valores espirituais, os saberes tradicionais, a água, plantas e até o próprio imaginário popular, tudo passa a ser mercadoria. A atual proposta de modificação do Código Florestal complementa esta nova estratégia de acumulação do capital, ao autorizar a negociação das florestas no mercado financeiro, com a emissão de "papéis verdes", a chamada Certidão de Cotas de Reserva Ambiental (CCRA). Desse modo, tudo é colocado no âmbito do mercado para ser gerido por bancos e empresas privadas.

Embora apresentada como solução para o aquecimento global e para as mudanças climáticas, a proposta do REDD permite aos países centrais do capitalismo manterem seus padrões de produção, consumo e, portanto, também de poluição. Eles continuarão consumindo energia de fontes que produzem mais e mais emissões de carbono. Historicamente responsáveis pela criação do problema, agora propõem a solução que mais atende a seus interesses. Possibilitando a compra do direito de poluir, mecanismos como o REDD forçam as denominadas populações tradicionais (ribeirinhos, indígenas, quilombolas, quebradeiras de coco, seringueiros etc.) a renunciarem a autonomia na gestão de seus territórios.

Com isso, embaralham-se os papeis. O capitalismo, civilização mais predadora da história da humanidade, não representaria nenhum problema. Ao contrário, seria a solução. Os destruidores seriam agora os grandes defensores da natureza. E aqueles que historicamente garantiram a conservação natural são, agora, encarados como predadores e por isso mesmo são criminalizados. Não surpreende, portanto, que recentemente o Estado tenha tornado mais ostensiva a repressão, a perseguição e até expulsão das populações locais de seus territórios. Tudo para assegurar a livre expansão do mercado dos bens naturais.

Com o indisfarçável apoio estatal, por esse e outros projetos o capital hoje promove e conjuga duas formas de re-territorialização na região amazônica. De um lado, expulsa povos e comunidades do território (como é o caso dos grandes projetos como as hidrelétricas), privando-os das condições de sobrevivência. De outro, tira a relativa autonomia daqueles que permanecem em seus territórios, como é o caso das áreas de conservação ambiental. Tais populações até podem permanecer na terra, mas já não podem utilizá-la segundo seu modo de vida.Sua sobrevivência não seria mais garantida pelo roçado de subsistência - convertido em ameaça ao bom funcionamento do clima do planeta, mas por bolsas verdes, que, além de insuficientes, são pagas para a manutenção da civilização do petróleo.
Cientes dos riscos que tais projetos trazem, rechaçamos o acordo de REDD entre Califórnia, Chiapas, Acre que já tem causado sérios problemas a comunidades indígenas e tradicionais, como na região de Amador Hernández, em Chiapas, México. Por isso nos solidarizamos com as populações pobres da Califórnia e Chiapas que já têm sofrido com as consequências. Solidarizamo-nos também com os povos indígenas do TIPNIS, na Bolívia, sob ameaça de terem seu território violado pela estrada que liga Cochabamba a Beni financiada pelo BNDES.

Estamos num estado que, nos anos de 1970-80, foi palco de lutas históricas contra a expansão predatória do capital e pela defesa dos territórios ocupados por povos indígenas e populações camponesas da floresta. Lutas que inspiraram muitas outras no Brasil e no mundo. Convertido, porém, a partir do final da década de 1990, em laboratório do BID e do Banco Mundial para experimentos de mercantilização e privatização da natureza, o Acre é hoje um estado intoxicado pelo discurso verde e vitimado pela prática do capitalismo verde. Dentre os mecanismos utilizados a fim de legitimar essa ordem de coisas, ganha destaque a manipulação da figura de Chico Mendes. A crer no que nos apresentam, deveríamos considerá-lo o patrono do capitalismo verde. Em nome do seringueiro, defende-se a exploração de petróleo, o monocultivo da cana-de-açúcar, a exploração madeireira em larga escala e a venda do ar que se respira.

Ante tal quadro, cumpre perguntar o que mais não caberia nesse modelo de desenvolvimento sustentável. Talvez em nenhum outro momento os pecuaristas e madeireiros tenham encontrado cenário mais favorável. É por essa razão que cremos necessário e urgente combatê-lo posto que, sob aparência de algo novo e virtuoso, ele reproduz as velhas e perversas estratégias de dominação e exploração do homem e da natureza.

Por fim deixamos aqui nossa reivindicação pelo atendimento das seguintes demandas: reforma agrária, homologação de terras indígenas, investimentos em agroecologia e economia solidária, autonomia de gestão dos territórios, saúde e educação para todos, democratização dos meios de comunicação. Em defesa da Amazônia, da vida, da integridade dos povos e de seus territórios e contra o REDD e a mercantilização da natureza. Estamos em luta.

Rio Branco, Acre, 07 de outubro de 2011.
Assinam esta carta:
Assentamento de Produção Agro-Extrativista Limoeiro-Floresta
Pública do Antimary (APAEPL)
Amazonlink
Cáritas – Manaus
Centro de Defesa dos Direitos Humanos e Educação Popular do Acre (CDDHEP/AC)
Centro de Estudos e Pesquisas para o Desenvolvimento do Extremo Sul da Bahia
(CEPEDES)
Comissão Pastoral da Terra CPT Acre
Conselho Indigenista Missionário CIMI Regional Amazônia Ocidental
Conselho de Missão entre Índios COMIN Assessoria Acre e Sul do Amazonas
Coordenação da União dos Povos Indígenas de Rondônia, Sul do Amazonas e
Noroeste do Mato Grosso – CUNPIR
FERN
Fórum da Amazônia Ocidental (FAOC)
Global Justice Ecology Project
Grupo de Estudo sobre Fronteira e Identidade - Universidade Federal do Acre
Instituto Madeira Vivo (IMV-Rondônia)
Instituto Mais Democracia
Movimento Anticapitalista Amazônico – MACA
Movimento de Mulheres Camponesas (MMC - Roraima)
Nós Existimos – Roraima
Núcleo Amigos da Terra Brasil
Núcleo de Pesquisa Estado, Sociedade e Desenvolvimento na Amazônia Ocidental
Universidade Federal do Acre.
Oposição Sindical do STTR de Brasiléia
Rede Acreana de Mulheres e Homens
Rede Alerta Contra o Deserto Verde
Rede Brasil sobre Instituições Financeiras Multilaterais
Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Bujarí (STTR - Bujarí)
Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Xapuri (STTR- Xapuri)
Terra de Direitos
União de Mulheres Indígenas da Amazonia Brasileira
World Rainforest Movement (WRM)

sábado, 8 de outubro de 2011

AINDA O DESMATAMENTO NA AMAZÔNIA

W. Novaes: Continua, célere, o desmatamento da Amazônia!

O jornalista Washington Novaes continua,corajosamente, denunciando o desastre ecológico que está ocorrendo na região amazônica. Divulgamos aqui um texto cujo titulo original é “Diálogo com um surdo no meio da floresta” publicado em “O Estado de São Paulo” no dia 23 de setembro de 2011. 03/10/2011 por Leonardo Boff 

Há questões muito relevantes no Brasil em que, na aparência, acontece um diálogo entre governo e sociedade; na prática, entretanto, os governantes parecem absolutamente surdos ao que dizem cientistas e cidadãos; só ouve os que estão do lado oposto. E esse é – entre outros – o caso da gestão “sustentável” de florestas públicas por empreendimentos privados. 
Ainda há poucos dias, o jornal Folha de S. Paulo (4/9) divulgou estudo da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (SP) mostrando que o manejo de florestas nativas é, ao menos do ponto de vista econômico, “insustentável”, pois não permite a regeneração das árvores mais valiosas e tende à perda da rentabilidade após o primeiro corte para comercialização. Imagine-se então o que acontece em termos de sustentação da biodiversidade e da manutenção da floresta. Uma questão tão grave que, segundo o estudo, “pode fazer fracassar a política federal de concessão de florestas”. O caso estudado é em Paragominas, PA, região onde o autor destas linhas esteve há uma década acompanhando um desses projetos e concluiu que de sustentável nada tinha; algum tempo depois, ele foi embargado pelo Ibama, porque retirava sete vezes mas madeira do que lhe era permitido. 
Pois exatamente poucos dias depois de divulgado esse estudo da ESALQ anunciava o Ministério do Meio Ambiente (9/9) que “10 florestas nacionais integram a lista de florestas públicas que poderão ser concedidas em 2012, segundo o Plano Anual de Outorga Florestal”. Ao todo, 4,4 milhões de hectares – ou 44 mil quilômetros quadrados no Pará, Rondônia e Acre, equivalentes a mais de dois Estados de Sergipe. E 2,8 milhões de hectares se destinarão à “produção sustentável”. Da qual se espera retirar 1,8 milhão de metros cúbicos de madeira. 
É uma política que vem desde a gestão Marina Silva no Ministério, contestada por uma legião de conceituados cientistas – mas sem que merecesse qualquer discussão. Foi aprovada por proposta do governo ao Congresso em 2006, por escassa maioria – 221 votos a 199. E dava direito a conceder até 50 milhões de hectares, por 40 anos. Imediatamente vieram críticas contundentes, muitas delas já mencionadas em artigos neste espaço. A começar pelas do respeitado professor Aziz Ab´Saber, da USP, para quem se trata de “um crime histórico, uma ameaça de catástrofe”. A seu ver, mais de 40% das terras são públicas e permitiriam “um programa exemplar”. A concessão, no entanto,como seria feita pela proposta aprovada, levaria à exploração intensiva à margem de rodovias e à perda da biodiversidade. Mais ainda: as florestas jamais voltarão ao domínio público após 40 anos. Todos os países que entraram por esse caminho ficaram sem elas. 
O professor Rogério Griebel, do Instituto de Pesquisas da Amazônia, e o almirante Ibsen Gusmão Câmara argumentaram na mesma direção: é um sistema que dará início a um processo de evolução às avessas, partindo dos exemplares mais fracos (os que restarem após o corte dos melhores). Outro cientista do INPA, Niso Higuchi, e o escritor Thiago de Mello, perguntaram como seria possível falar em manejo sustentável se em um único hectare de florestas podem ser encontradas árvores com tempo de maturação de 50 anos, ao lado de outras cujo tempo chega a ser de 1400 anos. Como selecionar para o corte ? Os professores Enéas Salati e Antônia M., Ferreira lembraram que existem muitas Amazônias diferentes, é preciso conhecer todas minuciosamente, antes de qualquer decisão. E os professores Deborah Lima (UFMG) e Jorge Pezzobon (Museu Goeldi) acentuaram que os melhores exemplos de sustentabilidade não estão nesses projetos, e sim em áreas indígenas; o manejo “sustentável”, ao contrário, está entre os piores. E o agrônomo Ciro F. Siqueira trouxe argumento muito forte: não se deterá o desmatamento enquanto explorar ilegalmente um hectare invadido ou grilado custe menos da metade do que se gasta com um hectare em que se paguem todos os custos. Principalmente porque, como argumentou o ex-ministro José Goldemberg, no Brasil temos um fiscal para cada 100 mil hectares, 27 vezes menos que a média mundial. Da mesma forma poderia ser dito que o Ministério do Meio Ambiente continua tendo pouco mais de meio por cento do orçamento federal. Como fará para cuidar de milhões de quilômetros quadrados da Amazônia ? “Não temos para onde correr”, limitou-se a dizer na época o diretor do Serviço Florestal Brasileiro (quem quiser conhecer em toda a sua extensão os pareceres dos cientistas pode recorrer aos números 53 e 54 da revista do Instituto de Estudos Avançados da USP). 
Nesta mesma hora em que se vai avançar pelos mesmos caminhos – com os cientistas dizendo que todos os países que seguiram essa rota perderam suas florestas – uma notícia deste jornal informa que 60% da madeira amazônica é desperdiçada por ineficiência no beneficiamento – quando o país consome 17 milhões de metros cúbicos anuais, segundo algumas fontes, ou 25 milhões segundo outras (Envolverde, 20/10/10). 46% do desmatamento corre por conta da agricultura (Greenpeace, 31/8). E poderão ser muito problemáticos os caminhos oficiais que permitem regularizar terras pagando até R$2,99 por hectare, com prazo de 20 anos. 
E enquanto a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência se esgoela inutilmente pedindo um programa de desmatamento zero e forte investimento em ciência na região – para formar cientistas, investir em pesquisas da biodiversidade – , este jornal traz a advertência do Imazon (15/7): o desmatamento vai aumentar até julho de 2012, com 10,5% mais que no período 2009/10. 
Com que cara vamos nos apresentar à Rio +20 no ano que vem, quando a perda de florestas será um dos temais centrais ? Como vamos dizer que temos e cumpriremos metas para a área do clima ? Vamos seguir nessa interminável tentativa de diálogo com um surdo ?