MERCADO
ÉTICO 16/02/2012 10:16:24
As pedras no caminho da
RIO+20
Celso Dobes Bacarji*
“Um
bilhão de pessoas estão na miséria plena. É a tragédia da civilização”. A frase
é do professor e economista Ladislau Dawbor, dita nesta terça-feira (14/02) em
palestra na reunião do Comitê Paulista para a Rio+20. Segundo ele, o grau de
desigualdade no mundo está atingindo limites insuportáveis. “É o saco cheio
planetário”.
Mas,
para o professor Dawbor, a extrema desigualdade não está acontecendo por falta
de recursos do Planeta. A produção atual de grãos, diz ele, abasteceria com 800
gramas diárias cada habitante da Terra. Apesar disso, morrem de fome 10 a 11
milhões de crianças por ano.
“Se
a gente dividir o PIB mundial, que contabiliza US$ 60 trilhões, pelas 7 bilhões
de pessoas teríamos uma renda per capita de mais de US$ 8 mil”. Com tanto
esfomeado no mundo, esse dinheiro está na mão de quem? Para o professor Dawbor,
está nas mãos das organizações econômicas globais.
O
gráfico do desempenho da economia nos últimos trinta anos, segundo o professor
Dowbor, tem quatro grandes linhas: a dos salários, que permaneceu estável, a da
produtividade, que cresceu a 30 graus, mais ou menos, a dos lucros, que empinou
pelo menos 60 graus e a dos lucros financeiros, que disparou na vertical.
O
professor Dowbor cita um exemplo de lucro do mercado financeiro: “Vocês viram o
lucro do Itaú em 2011? Superou o orçamento do programa bolsa família”. Em
seguida, dá uma aula de como o dinheiro se multiplica na ciranda financeira
internacional com um exemplo cristalino: o Lehman Brothers tinha uma
alavancagem de 36 para 1, Isto é, para cada dólar que ele tinha, ele emprestou
36.
O
pior é que os governos são os intermediários dessa tragédia. “Vou explicar para
vocês rapidamente o que está acontecendo na Europa, agora. O Banco Central
Europeu repassou dinheiro para os bancos a 1% de juros, para que eles não
quebrassem, e agora os bancos estão emprestando esse dinheiro para a Espanha a
6%. Grande negócio”, observa Dowbor.
Citando
dados do estudo “Rede do poder das corporações mundiais”, realizado pelo
Instituto ETH, da Suíça, o professor alerta para a questão da governança
mundial. Atualmente 737 grupos econômicos controlam 80% do PIB global. O núcleo
desse poder está nas mãos de 147 grupos, com 40% de toda riqueza produzida. E
um agravante, 75% desses 147 concentram seus recursos no mercado financeiro.
Outro
ponto de estrangulamento para a sustentabilidade do Planeta, de acordo com o
economista da PUC, é a questão da democratização do conhecimento. Para dar uma
idéia do peso da tecnologia na economia atual, ele estima que pelo menos 95% do
preço de um celular de última geração correspondem ao valor do conhecimento. A
mão de obra e o material empregado ficam com os 5% restantes. Para a
sustentabilidade, essa é uma questão vital, diz ele. Em sua opinião, é preciso
que as tecnologias limpas sejam livres de patentes, ou não será possível chegar
a uma economia verde, como querem os organizadores da Rio+20.
Por
fim, as crises econômica e ambiental globais, na opinião de Ladislau Dowbor,
exigirão o fortalecimento do poder local. Uma coisa que já vem acontecendo em
muitas cidades do mundo. Na Espanha, algumas já voltaram a utilizar as pesetas,
o antigo dinheiro nacional, no comércio local, como forma de fugir da crise do
Euro. A prática tende a expandir e já se calcula que pelo menos 1,7 bilhão de
euros pode voltar a circular em pesetas, no país.
Para
o professor, há fortes bases políticas para o fortalecimento dos governos
locais, abrindo um espaço colaborativo na sociedade. Ele acredita que cada vez
mais será necessário que as comunidades decidam sobre a forma como serão
geridos os recursos naturais locais. Passa por aí a solução de dilemas como o
de Belo Monte, ou como o desmatamento da Amazônia, que é provocado pelo tripé
da exploração madeireira, agrícola e pecuária, controlada por grandes grupos
econômicos mundiais.
Para
a perspectiva da Rio+20, uma Conferência que estabelece como foco a
sustentabilidade ambiental e a inclusão social, a palestra de Dowbor representa
o caminho das pedras. Seu raciocínio leva a conclusão de que será preciso: (1)
promover a distribuição de riquezas, (2) estabelecer uma nova governança
global, (3) regular o mercado financeiro, (4) democratizar o conhecimento e (5)
fortalecer do poder local, para que a nossa civilização se salve de uma
catástrofe.
Um
detalhe: o professor Dowbor não é um grande otimista quando fala das
perspectivas dos acordos globais capitaneados pela ONU. Para ele, a partir do
fortalecimento do poder local, é mais fácil chegar a um acordo direto entre
nações, ou grupos de nações, do que esperar um consenso global. A partir dessa
ótica, o que esperar da Rio+20?
*Celso
Dobes Bacarji é jornalista e atua na área ambiental.
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